Vários minutos depois, diante da xícara de porcelana branca, Maria Helena comprovou que o café havia esfriado, e que o azeviche da superfície profunda refletia sua perplexidade, ao mesmo tempo em que acolhia a primeira e tantas outras lágrimas carregadas de luto, e quando deixava que a tristeza molhasse suas faces, com o coração ressequido, pôs as mãos geladas nos bolsos do casaco de lã, já que, em pleno julho, o vento montevideano era visto dobrar a esquina do café com pressa, e ao tentar esquentá-las, pôs-se a pensar, afinal de contas, quem escreve a história é o tempo, portanto teria de haver uma maneira de voltar atrás, de tomar-lhe o lápis implacável e tornar a escrever o destino desse homem, lógico que teria de saber por onde colocar a mão nas engrenagens do tempo, porque roubar Aureliano da morte, mesmo que fosse para adiá-la por mais alguns dias, tornava-se de súbito uma obsessão, por isso voltou o olhar novamente em direção ao livro que a acompanhava há muitas semanas, já que pra ler não tenho tanto tempo, e por isso estendo as leituras, e então como eu faço, perguntou-se novamente, pois o livro não poderia servir de mortalha para um homem como aquele, ela não suportava os ares de solidão que a manhã tomava, então pensou e pensou, e chegou à conclusão de que poderia sair do café, enfrentar o vento frio que cortava a 18 de Julio como gume de faca, e viver sua solidão plenamente, ou se não, com a esperança de poder de verdade manipular o tempo, como se pudesse renunciar à condição humana de viver sobre um fio de vida, percorrer o caminho da ilusão e regressar a um tempo em que ela mesma havia sido mais feliz, voltar ao momento em que sentiu que sua paixão se acendia por primeira vez, quando sentiu o golpe forte do ímpeto daquele homem, lógico que sabia que não era o suficiente e que chegaria à mesma fatalidade, voltaria a sofrer sua morte, mas se o faço assim, o terei vivo mais um tempo, por isso não se importou de tornar a escutar Melquíades e a pianola da casa dos Buendía, nem carregar o baú de versos escritos por Aureliano, ou sofrer como mãe as penas de Úrsula Iguarán, nem chegar a ver Aureliano outra vez com seus peixinhos de ouro, e finalmente não se importou de voltar à noite em que ele havia decidido se juntar às forças do general Victorio Medina, então chamou o garçom e pediu que trocasse o café gelado, e assim que colocou outro quente sobre a mesa de mármore, folheou seu livro para trás, os dedos brincando de máquina do tempo, até a página noventa e três, de onde começou novamente desde o momento em que ele declarou no me vuelva a decir Aurelito, que ya soy el coronel Aureliano Buendía.
Es una historia con personajes de otra historia, con hermosas imágenes agradables. Se nota una gran destreza por parte de la escritora, para intercalar argumentos de otra historia en la trama del cuento. Felicitaciones Andrea.
Muchas gracias, Roberto, por tu comentario tan amable
El efecto mágico en la misma realidad…
Así es para los que escribimos y leemos. Gracias, Christian, por dejar tu comentario
Es un gusto leerte ??